segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

AS JANELAS DO MEU QUARTO DE ANTÓNIO GEDEÃO


Tenho quarenta janelas,
nas paredes do meu quarto,
sem vidros nem bambinelas,
posso ver através delas,
o mundo em que me reparto.


Por uma entra a luz do sol,
por outra a luz do luar,
por outra a luz das estrelas,
que andam no céu a rolar.


Por esta entra a Via Láctea,
como um vapor de algodão,
por aquela a luz dos homens,
pela outra a escuridão.

Pela maior entra o espanto,
pela menor a certeza,
pela da frente a beleza,
que inunda de canto a canto.


Pela quadrada entra a esperança,
de quatro lados iguais,
quatro arestas, quatro vértices,
quatro pontos cardeais.


Pela redonda entra o sonho,
que as vigias são redondas,
e o sonho afaga e embala,
à semelhança das ondas.


Por além entra a tristeza,
por aquela entra a saudade,
e o desejo, e a humildade,
e o silêncio, e a surpresa.


E o amor dos homens, e o tédio,
e o medo, e a melancolia,
e essa fome sem remédio,
a que se chama poesia.


E a inocência, e a bondade,
e a dor própria, e a dor alheia,
e a paixão que se incendeia,
e a viuvez, e a piedade.


E o grande pássaro branco,
e o grande pássaro negro,
que se olham obliquamente,
arrepiados de medo.


Todos os risos e choros,
todas as fomes e sedes,
tudo alonga a sua sombra,
nas minhas quatro paredes.


Oh janelas do meu quarto,
quem vos pudesse rasgar,
com tanta janela aberta,
falta-me a luz e o ar.

ANTÓNIO GEDEÃO

Rómulo Vasco da Gama de Carvalho (Lisboa, 24 de Novembro de 1906 - Lisboa, 19 de Fevereiro de 1997),português, foi um químico, professor de Físico-Química do ensino secundário no Liceu Pedro Nunes, pedagogo, investigador de História da ciência em Portugal, divulgador da ciência, e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão. Pedra Filosofal e Lágrima de Preta são dois dos seus mais célebres poemas.