quinta-feira, 23 de outubro de 2014

ODE LOUCA de Filipa Leal


















ODE LOUCA

Todos os homens têm o seu rio.
Lamentam-no sentados no interior das casas
de interior e como o poeta que escreve a lápis
apagam a memória com a sua água.
Os rios abandonam os homens que envelhecem
Longe da infância, e eles choram
o reflexo absurdo na distância.
Por vezes, enlouquecem os rios, os homens,
Os poetas nas suas palavras repetidas
que buscam uma ode que lhes diga
a textura. Todos procuram o mesmo:
um lugar de  água mais limpa
ou um espelho que não lhes negue
a hipótese do reflexo.
O rio sofre mais do que o homem,
o poeta,
porque dele se espera que nos devolva
a imagem de tudo, menos de si próprio.
Todos os rios têm o seu narciso,
mas poucos, muitos poucos,
O simples reflexo das suas águas.

Filipa Leal in A Cidade Líquida e Outras Texturas

quarta-feira, 1 de outubro de 2014

OUTUBRO de Maria Teresa Horta


Estas noites de mar
incrustadas
de luz

ou estes olhos
e pólos
distanciados no nada

Este ódio de chuva

este dia montanha

Esta arma de boca
ou tempo encontrado
com relógios
na montra

Este ardor de palavras
no perfil
das bocas

este grito
que tenho
nas mãos misturadas

Ou mãos misturadas
que tenho
de outubro
no sabor picante
sentido nas casas

in "Tatuagem" Poesia 61, 1961
Maria Teresa Horta (1937-  )