Há uma ilha, entre outras, no atlântico
arquipélago canário
que bordeja a costa africana.
Há um vulcão, de nome Teide, que domina
as paisagens das
terras que se erguem do mar.
Há um clima, seco a sul e húmido a
norte, que sustenta, em
oposição, a vegetação árida e a floresta
de laurissilva.
Há construções maciças nas costas,
inexistentes nas terras
altas onde, há anos, a pastorícia das
cabras pôs em risco a flora
nativa.
Há resorts e autocarros de turistas e há
imigração de gentes de
várias nacionalidades para servi-los. O
trabalho de uns permite o
ócio dos outros e vice-versa...
E, em tempos, houve Guanches, que
fizeram desta ilha a
sua casa e cá viveram, isolados do mundo
até à chegada dos
europeus. A conquista espanhola durou
dois anos e resultou no
extermínio do povo e da cultura, pese
embora a hereditariedade
das linhagens maternas tenha perpetuado
a genética em
miscigenação forçada. Foram tempos de
cruz e de espada, de
sangue, de escravidão e de todo o tipo
de violações...Pouco se
sabe dos Guanches, para além de que aqui
chegaram e estiveram
por séculos, sem dominar qualquer
técnica naval!
E há mitos e lendas, como em qualquer
parte!
E há este hotel, como tantos outros!
Há gordos e gordas a devorarem refeições
constantes!
Há velhos e velhas, corpos decrépitos
queimados do Sol!
Há um questionar do mundo, em dia de
ressaca do Brexit!
E há desperdício de alimentos nos restos
dos pratos!
Há desperdício de mentes na insolação
dos corpos!
Mas há retempero de vidas na fugacidade
das férias!
Há desequilíbrios constantes no
equilíbrio dos egos!
Há palavras de circunstância facilitadas
pelo álcool!
Há esforços de pronúncia em castelhano
forçado!
Há cartões que se trocam por toalhas!
Há minibar reposto diariamente!
Há regime “tudo incluído”, feito de pequenos
nadas que
parecem tanto!
E há gente que chega sem saber para onde
vem!
E há gente que regressa sem saber onde
esteve!
E há gente que fica para fazer da ilha o
seu mundo!
E há um mundo infinito que não sabe da
ilha!
E há um mundo em mim, na ilha!
E há uma ilha em mim, no mundo!
E não tenho sequer sangue Guanche, mas
simpatizo com as
gentes que resistem face à inevitável
derrota!
Um dia voltarei ao Teide para
homenageá-los...ou talvez
não!
Nunca verei a flor de Vilaflor!
Ocuparei um lugar no autocarro e no
avião!
Farei a minha fotossíntese ao Sol!
Perderei a memória dos dias!
Cumprirei, feliz, a passagem do tempo!
Porém, uma vez que domines a navegação,
nunca te
confinarás à ilha.
A não ser a que fizeres de ti próprio:
inexpugnável e
inconquistável!
Alço a minha vela e parto!
Mas serei também, para sempre, Tenerife!
Tenerife, 24/06/2016
Moreira, Paulo Ricardo - Ainda do Ser. 1ª ed. Porto : Seda Publicações , 2017. , 65, [1] p. ; 23 cm. 978-989-8735-58-4 ( p. 40,41)
(n. em Coimbra, 1976)
Tenerife, 24/06/2016
Moreira, Paulo Ricardo - Ainda do Ser. 1ª ed. Porto : Seda Publicações , 2017. , 65, [1] p. ; 23 cm. 978-989-8735-58-4 ( p. 40,41)
(n. em Coimbra, 1976)