Louise Glück nasceu em Nova Iorque em 1943, cresceu em Long Island, frequentou o Colégio Sara Lawrence e Columbia University. É considerada por muitas pessoas como uma das mais talentosas poetisas contemporâneas.
Glück é conhecida pela sua poesia tecnicamente precisa, sensitiva, focada nos temas da solidão, relações humanas, divórcio e morte.
[tradução de Rui Pires Cabral, publicada na revista 'Telhados e Vidro', nº 12, Edição Averno]PAISAGEM
O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.
Era um tempo
de espera, de acção suspensa.
Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.
Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.
O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.
O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.
Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.
Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes
não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.
Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.
O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes
não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo
perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.
Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte.
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POEMA
Ao início da noite, como agora, um homem está curvado
sobre a sua secretária. Lentamente ergue a cabeça; uma mulher
surge, trazendo rosas.
O seu rosto flutua até à superfície do espelho,
marcado pelos raios verdes dos pés das rosas.
É uma forma
de sofrimento: depois a página transparente
levada sempre à janela até as suas veias aparecerem
como palavras por fim cheias de tinta.
E é minha obrigação compreender
o que as une
ou à casa cinzenta mantida no sítio com firmeza pelo crepúsculo
porque eu devo entrar nas suas vidas:
é primavera, a pereira
a cobrir-se com uma fina camada de flores brancas e frágeis.
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ADORMECI NUM RIO
Adormeci num rio, acordei num rio,
da minha misteriosa
incapacidade de morrer nada sei
dizer-te, nem
de quem me salvou ou por que razão –
Havia um silêncio imenso.
Nenhum vento. Nenhum som humano.
O século amargo
tinha chegado ao fim,
o glorioso, o duradouro,
o sol frio
persistia como uma antiqualha, um memento,
com o tempo a correr por detrás –
O céu parecia muito límpido,
como no inverno,
o solo seco, inculto,
a luz oficial atravessava
calmamente uma fresta no ar
digna, complacente,
desfazia a esperança,
subordinava imagens do futuro aos sinais da passagem do futuro –
Julgo que caí.
Só à força pude tentar levantar-me,
tão estranha me era a dor física –
Tinha esquecido
a dureza destas condições:
a terra, não obsoleta,
mas quieta, o rio frio, pouco profundo –
Do meu sono não recordo
nada. Quando gritei,
a minha voz trouxe-me um inesperado consolo.
No silêncio da consciência, perguntei-me:
porque rejeitei a minha vida? E respondi
Die Erde überwältigt mich:
a terra derrota-me.
Tentei ser exacta nesta descrição,
para o caso de alguém me seguir. Posso garantir
que o pôr-do-sol no inverno é
incomparavelmente belo e a memória dele
dura muito tempo. Julgo que isto significa
que não havia noite.
A noite estava dentro de mim.