quinta-feira, 30 de maio de 2013

TRADUTOR DE CHUVAS de Mia Couto



TRADUTOR DE CHUVAS

Um lenço branco
apaga o céu.

A fala da asa
vai traduzindo chuvas:
não há adeus
no idioma das aves.

O mundo voa
E apenas o poeta
Faz companhia ao chão.

                              Mia Couto



MIA COUTO GANHA PRÉMIO CAMÕES 2013

O vencedor do prémio literário mais importante da criação literária da língua portuguesa é o escritor moçambicano autor de livros como Raiz de Orvalho, Terra Sonâmbula e A Confissão da Leoa . É o segundo autor de Moçambique a ser distinguido, depois de José Craveirinha em 1991.
O júri justificou a distinção de Mia Couto tendo em conta a “vasta obra ficcional caracterizada pela inovação estilística e a profunda humanidade”, segundo disse à agência Lusa José Carlos Vasconcelos, um dos jurados.
A obra de Mia Couto, “inicialmente, foi muito valorizada pela criação e inovação verbal, mas tem tido uma cada vez maior solidez na estrutura narrativa e capacidade de transportar para a escrita a oralidade”, acrescentou Vasconcelos. Além disso, conseguiu “passar do local para o global”, numa produção que já conta 30 livros, que tem extravasado as suas fronteiras nacionais e tem “tido um grande reconhecimento da crítica”. Os seus livros estão, de resto, traduzidos em duas dezenas de línguas.
Do júri, que se reuniu durante a tarde desta segunda-feira no Palácio Gustavo Capanema, sede do Centro Internacional do Livro e da Biblioteca Nacional, fizeram também parte, do lado de Portugal, a professora catedrática da Universidade Nova de Lisboa Clara Crabbé Rocha (filha de Miguel Torga, o primeiro galardoado com o Prémio Camões, em 1989), os brasileiros Alcir Pécora, crítico e professor da Universidade de Campinas, e Alberto da Costa e Silva, embaixador e membro da Academia Brasileira de Letras, o escritor e professor universitário moçambicano João Paulo Borges Coelho e o escritor angolano José Eduardo Agualusa.
 

quinta-feira, 16 de maio de 2013

NUNO JÚDICE galardoado com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana




O professor, poeta e ensaísta português Nuno Júdice foi hoje galardoado com o Prémio Rainha Sofia de Poesia Iberoamericana, que reconhece o conjunto de uma obra de um autor vivo.
O galardão, atribuído pelo Património Nacional e pela Universidade de Salamanca e dotado com 42.100 euros, celebra este ano a sua XXII edição e é considerado o mais prestigiado deste género no universo Ibero-Americano.

O júri foi constituído por 18 personalidades ibero-americanas da área da filologia, da literatura e do ensaio literário, nomeadamente José Rodríguez-Spiteri Palazuelo, presidente do Património Nacional, Daniel Hernández Ruipérez, reitor da Universidade de Salamanca, José Manuel Blecua Perdices, da Real Academia Espanhola, e Víctor García de la Concha, diretor do Instituto Cervantes.
Gloria Pérez Salmerón, ex-Diretora da Biblioteca Nacional de Espanha,os escritores portugueses José Manuel Mendes e António Lobo Antunes, a poetisa e ensaísta cubana Fina García Marruz integraram também o júri.
Pilar Martín Laborda, Genoveva Iriarte Esguerra, José Miguel Santiago Castelo, Luis Antonio de Villena, Jaime Siles, José Manuel Caballero Bonald, Soledad Puértolas, Luis Alberto de Cuenca, Javier San José Lera e Emilio de Miguel Martínez, foram os outros membros do júri.

O chileno Gonzalo Rojas-Lebu, de 93 anos, foi o primeiro distinguido, e entre os galardoados estão o brasileiro João Cabral de Melo Neto, 92 anos, que recebeu o prémio em 1994.
O argentino Juan Gelman, a peruana Blanca Varela, o espanhol Pablo García Baena, são alguns dos distinguidos com o galardão.
O ano passado o distinguido foi o poeta revolucionário nicaraguense e sacerdote católico Ernesto Cardenal, de 88 anos.
O Prémio Rainha Sofia consagra a trajetória de Nuno Júdice, de 64 anos, professor na Universidade Nova de Lisboa, autor de poesia, teatro, ensaios e ficção, natural da Mexilhoeira Grande, no concelho de Portimão.
Ao longo da carreira o autor de "Geometria variável", entre os mais de 20 títulos de poesia publicados, tem sido distinguido com vários galardões, designadamente o Prémio Pen Clube em 1985 e o D. Dinis em 1990.
Em 2003 a portuguesa Sophia de Mello Breyner Andresen, foi a primeira mulher a receber o prémio. A poetisa que já se encontrava doente não se deslocou a Espanha, tendo sido representada pelo seu filho Miguel Sousa Tavares e pelo seu editor, Zeferino Coelho.


Fonte: TSF

sexta-feira, 10 de maio de 2013

João Villaret faria hoje 100 anos


O espetáculo "João Villaret - Homenagem", de Carlos Paulo, sobe hoje à cena no teatro A Comuna, em Lisboa, no dia em que passam cem anos sobre o nascimento do ator, encenador e declamador.
Em declarações à Lusa, o ator Carlos Paulo afirma que João Villaret "estava à frente do seu tempo, foi um exemplo muito grande do teatro no século XX" e salienta "a grande ligação que fez da poesia ao teatro de revista".  
No espetáculo, estreado há nove anos em Vila Nova de Gaia, no café Bogani, são recriados "os grandes números que Villaret protagonizou na revista, alguns textos seus inéditos e um poema que António Botto lhe dedicou, quando estavam os dois no Brasil".  
A atriz Carmen Dolores que participou em vários espetáculos de poesia, alguns filmes e peças de teatro com João Villaret, afirma à Lusa que tudo o que o ator "fazia era bom e variado".  

Fernando Pessoa (Cruzou por mim... de Álvaro de Campos) por João Villaret






Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).
Sinto urna simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida —
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos
tristes por profissão.
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.
Já disse: Sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: Sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.