quarta-feira, 28 de maio de 2014

Poema "Aos amigos" de Herberto Helder


AOS AMIGOS

Amo devagar os amigos que são tristes
com cinco dedos de cada lado.
Os amigos que enlouquecem
e estão sentados,
fechando os olhos,
com os livros atrás a arder
para toda a eternidade.

Não os chamo,
e eles voltam-se profundamente
dentro do fogo.
- Temos um talento doloroso e obscuro.
Construímos um lugar de silêncio.
De Paixão.


quarta-feira, 21 de maio de 2014

A quarta edição do Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância distinguiu um livro de poesia para crianças


A quarta edição do Prémio Bissaya Barreto de Literatura para a Infância distinguiu um livro de poesia para crianças. Pequeno Livro das Coisas foi escrito por João Pedro Mésseder, ilustrado por Rachel Caiano e editado pela Caminho em 2012.
“O poeta oferece uma obra que desafia o jovem leitor/ouvinte para a contemplação do mundo e para a formulação de perguntas que fortalecem os elos entre crianças e adultos”, justificou o júri: os investigadores Rui Veloso e Leonor Riscado e, a representar a Fundação Bissaya Barreto, Lúcia Santos.
João Pedro Mésseder é o pseudónimo literário do escritor e professor universitário José António Gomes, que disse ao PÚBLICO ter ficado particularmente satisfeito por o prémio ter sido atribuído a uma obra de poesia, “género minoritário no universo do livro infantil”.

A sombra quieta


Era uma vez uma sombra
que não parava de estar quieta.
Quanto mais quieta estava
mais o pobre corpo
se mexia
e saltava, esbracejava, corria.
Tomado pelo medo,
o corpo acabou por fugir
daquele sinistro lugar.
Nunca mais ninguém o viu.
E a sombra?
Ainda lá está.
Ali, naquele lugar.
(Pág. 9)

segunda-feira, 19 de maio de 2014

Noites poéticas mensais em São João da Madeira





NOITES POÉTICAS EM SÃO JOÃO DA MADEIRA

PORQUÊ “NOITES POÉTICAS” NOS CAFÉS?

O café – ou cafetaria – sempre foi, sobretudo na Europa, ponto de encontro de pessoas de diferentes correntes de pensamento, culturas, sexos, raças, nacionalidades, idades e religiões. A Arte e o Pensamento se cruzavam com o convívio e a bebida que deu nome ao estabelecimento, que fez da tertúlia um evento regular e característico de países, onde a liberdade e a democracia são tão importantes como a mais básica das necessidades de cada ser vivo. Tanto é que, o famoso ensaísta George Steiner, durante uma palestra no Nexus Institut de Amesterdão, durante a presidência holandesa da União Europeia, em 2004, afirmou – e passo a citar – “enquanto existirem cafetarias a “ideia de Europa” terá conteúdo.”
TRAZER A CULTURA PARA ONDE O POVO SE JUNTA.
Levando mais longe esta citação, afirmando que, enquanto existirem estabelecimentos públicos, como os cafés ou os bares, onde pessoas possam reunir-se livremente, debaterem e celebrarem o Pensamento e a Cultura, a Liberdade e a condição humanas terão mais valor e conteúdo, dois escritores e poetas de São João da Madeira – Tiago Moita e Edmundo Silva – resolveram tomar a iniciativa de trazer de volta essa tradição – que já existe em muitas cidades como é o caso de Lisboa e do Porto - (Os primeiros que tentaram mantê-la foram o Art7 <Bar (2007-2010) e o Inversus Bar (2011) de Angel Roberto) de fazer noites poéticas mensais nos cafés de São João da Madeira, com o intuito de, não só criar hábitos de ler e ouvir Poesia como cruzar outras artes através dela e dinamizar a Cultura, o associativismo, o sentimento de comunidade e a cidadania para fora dos espaços públicos culturais do município que, desde já, têm feito um excelente trabalho em prol do entretenimento e do desenvolvimento cultural do concelho e da região, mas, no nosso entender, por si só, não chega.
O sonho, o pensamento e a criação precisam de respirar em espaços onde a liberdade é um hábito e nunca um acontecimento social anual.
A primeira noite poética mensal, denominada “POESIA À SOLTA!”, ocorrerá no Neptúlia Snack-Bar (Avenida da Misericórdia, 171) no dia 20 de Maio, terça-feira, a partir das 21H30, e decorrerá todas as terceiras terças-feiras de cada mês.
A segunda noite poética mensal, denominada “UM CAFÉ COM POESIA”, ocorrerá na CONFEITARIA COLMEIA (Praça Luís Ribeiro, 155) no dia 3 de Junho, terça-feira, a partir das 21H30, e decorrerá todas as primeiras terças-feiras de cada mês.


As noites poéticas serão coordenadas pelos escritores e poetas Tiago Moita e Edmundo Silva e são apoiadas pela Junta de Freguesia de São João da Madeira e diversas personalidades e associações cívicas do concelho.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

"LUGARES COMUNS" DE ANA LUÍSA AMARAL

Entrei em Londres
num café manhoso (não é só entre nós
que há cafés manhosos, os ingleses também
e eles até tiveram mais coisas, agora
é só a Escócia e um pouco da Irlanda e aquelas
ilhotazitas, mas adiante)

Entrei em Londres
num café manhoso, pior ainda que um nosso bar
de praia (isto é só para quem não sabe
fazer uma pequena ideia do que eles por lá têm), era
mesmo muito manhoso,
não é que fosse mal intencionado, era manhoso
na nossa gíria, muito cheio de tapumes e de cozinha
suja. Muito rasca.

Claro que os meus preconceitos todos
de mulher me vieram ao de cima, porque o café
só tinha homens a comer bacon e ovos e tomate
(se fosse em Portugal era sandes de queijo),
mas pensei: Estou em Londres, estou
sozinha, quero lá saber dos homens, os ingleses
até nem se metem como os nossos,
e por aí fora...

E lá entrei no café manhoso, de árvore
de plástico ao canto.
Foi só depois de entrar que vi uma mulher
sentada a ler uma coisa qualquer. E senti-me
mais forte, não sei porquê mas senti-me mais forte.
Era uma tribo de vinte e três homens e ela sozinha e
depois eu

Lá pedi o café, que não era nada mau
para café manhoso como aquele e o homem
que me serviu disse: There you are, love.
Apeteceu-me responder: I’m not your bloody love ou
Go to hell ou qualquer coisa assim, mas depois
pensei: Já lhes está tão entranhado
nas culturas e a intenção não era má e também
vou-me embora daqui a pouco, tenho avião
quero lá saber

E paguei o café, que não era nada mau,
e fiquei um bocado assim a olhar à minha volta
a ver a tribo toda a comer ovos e presunto
e depois vi as horas e pensei que o táxi
estava a chegar e eu tinha que sair.
E quando me ia levantar, a mulher sorriu
como quem diz: That’s it

e olhou assim à sua volta para o presunto
e os ovos e os homens todos a comer
e eu senti-me mais forte, não sei porquê,
mas senti-me mais forte

e pensei que afinal não interessa Londres ou nós,
que em toda a parte
as mesmas coisas são


Ana Luísa Amaral 
(1956-)